Na semana passada, um estudo (Schuijs et al., 2015) foi publicado na renomada revista científica Science, reportando os possíveis efeitos das partículas que estão presentes na poeira de fazendas de leite nos processos de alergias e asmas em crianças. Nesta mesma edição, um artigo escrito por Jocelyn Kaiser, que comenta esta pesquisa, também foi incluso. Abaixo, segue a tradução livre do artigo de Kaiser, com a discussão sobre os achados.  Quem concorda que fazenda faz bem, levanta a mão!

"Ar sujo de fazenda pode evitar asma em crianças"

Artigo original em inglês, publicado em 3 de setembro de 2015 (Kaiser, J. (2015). How farm life prevents asthma. Science, 349(6252), 1034-1034). Disponível em http://news.sciencemag.org/europe/2015/09/dirty-farm-air-may-ward-asthma-children

 

     Para os pesquisadores que tentam desvendar as raízes da atual epidemia de asma, uma observação é especialmente intrigante: crianças que crescem em fazendas leiteiras são muito menos susceptíveis do que outras crianças a desenvolver esta doença respiratória. Agora, uma equipa europeia estudando camundongos tem uma possível explicação para isto: bactérias encontradas poeira da fazenda desencadeiam uma resposta inflamatória nos pulmões dos animais que mais tarde os protege de asma. Uma enzima envolvida nessa defesa é por vezes desativada nas pessoas com asma, o que sugere que tratamentos envolvendo esta molécula poderiam proteger as pessoas desta doença.

     O estudo, publicado na página 1106 (Schuijs et al., 2015), oferece novo embasamento para a chamada hipótese da higiene, uma idéia que tem 26 anos de idade, que postula que o nosso zelo moderno com a limpeza e uso generalizado de antibióticos tem tirado do ambiente de microorganismos que ensinariam ao sistema imunológico infantil em desenvolvimento a não reagir exageradamente a substâncias estranhas. "Isso nos propõe um mecanismo molecular tentador para a compreensão da evidência epidemiológica", diz o imunologista pediátrica Stuart Turvey, da Universidade de British Columbia, em Vancouver, no Canadá, que não estava envolvido com o novo trabalho. Mas outros alertam que o achado é provavelmente muito longe da única explicação para o porquê a exposição cedo na vida a micróbios podem fazer as crianças menos propensas a alergias.

     Cerca de 20 estudos realizados na Europa e em outros lugares descobriram que as crianças criadas em fazendas têm taxas relativamente baixas de alergias e asma. Alguns pesquisadores suspeitam que a razão principal é que as crianças respiram um ar cheio de da parede celular de bactérias, chamadas lipopolissacarídeos em razão da sua estrutura lipídeo-açúcar. Também conhecidas como endotoxinas, estes fragmentos – a partir de bactérias no estrume de vaca e de forrageiras - causam um baixo estado temporário de inflamação nos pulmões que de alguma forma atenua a resposta do sistema imunológico aos alérgenos, e assim por diante.

     O pneumologista Bart Lambrecht e a imunologista Hamida Hammad da Universidade de Ghent e Instituto Flanders de Biotecnologia na Bélgica e seus colaboradores queriam sondar o mecanismo para efeito protetor das endotoxinas. Eles mostraram que a primeira injeção das moléculas por via nasal nos camundongos de 6 a 12 semanas de idade em dias alternados durante 2 semanas protege os roedores de desenvolver asma mais tarde, em resposta aos ácaros do pó. Nos camundongos expostos à endotoxina, as células epiteliais que revestem os pulmões sintetizaram menores quantidades de moléculas pró-inflamatórias chamadas citocinas quando encontraram os ácaros da poeira; os camundongos também tinham menos células dendríticas, que são células sentinelas do sistema imunológico ativadas por citocinas.

     Uma enzima produzida pelas células epiteliais, chamados A20, parece desempenhar um papel na redução destas respostas inflamatórias. Em camundongos geneticamente modificados para não possuírem o gene para a A20 em suas células epiteliais do pulmão, as endotoxinas não protegem os animais de asma. A equipe obteve resultados semelhantes quando eles repetiram os experimentos nos camundongos com poeira de fazenda, que incluiu não apenas endotoxinas mas outros fragmentos potencialmente inflamatórias de bactérias, fungos e plantas também.

    A equipe de Ghent, em seguida, testou células bronquiais de pessoas saudáveis e descobriu que a exposição a endotoxinas reduz os níveis das mesmas moléculas inflamatórias que foram estudadas nos camundongos. As quantidades não foram tão reduzidas em células de pessoas com asma, e suas células também produziram menor quantidade de proteína A20. Finalmente, os pesquisadores descobriram que, entre cerca de 500 crianças de fazenda, aqueles que tinham uma mutação que reduz a atividade A20 eram cinco vezes mais propensos a desenvolver asma.

    Até agora, Lambrecht diz, a maioria das explicações para a hipótese da higiene assumiram ela que atua diretamente sobre as células T do sistema imunológico. A nova descoberta mostra que, com endotoxinas, “ela” não está acontecendo no sistema imunológico. É nas células estruturais das vias aéreas ", diz Lambrecht. "Precisamos desta exposição ambiental para acalmar o epitélio para que ele saiba o que é perigoso e o que não é perigoso." Ele ressalta que a A20 desempenha um papel de restrição semelhante no intestino de um recém-nascido, ajudando-o tolerar os micróbios benéficos que contribuem para a digestão dos alimentos. O novo estudo sugere que uma droga que aumenta a atividade da A20 pode ajudar a proteger crianças com história familiar de asma de desenvolver a doença, diz Lambrecht. (Administração em crianças com endotoxinas é arriscado porque o mecanismo é aparentemente afinado, exposições massivas promovem a asma).

    Outros que estudam a hipótese da higiene ponderam que o mecanismo recém-descoberto não explica inteiramente o efeito protetor da vida na fazenda leiteira. Beber leite in natura também parece afastar asma em crianças, aponta Gary Huffnagle da Universidade de Michigan, Ann Arbor e esse efeito é pouco provável que envolva o epitélio pulmonar. Além do mais, as quantidades de endotoxinas que não são muito maiores em fazendas que nas cidades, o que sugere que "é muito simples uma resposta", diz o pesquisador emgenética da asma William Cookson, do Imperial College London, que pensa que mudanças nas comunidades microbianas vivas nos pulmões e intestino podem ser tão importante quanto.

     O imunologista da Universidade de Harvard, Richard Blumberg, também gostaria de ver o time show de Ghent que a resposta protetora dura desde o nascimento até a idade adulta- experimentos que o grupo de Lambrecht agora está planejando. Por agora, diz Blumberg, o novo estudo é "mais uma camada importante de pesquisa de nossa comunidade para entender a biologia por trás da hipótese da higiene".

 

Referência:

Schuijs, M. J., Willart, M. A., Vergote, K., Gras, D., Deswarte, K., Ege, M. J., ... & Hammad, H. (2015). Farm dust and endotoxin protect against allergy through A20 induction in lung epithelial cells. Science, 349(6252), 1106-1110. Disponível em http://www.sciencemag.org/content/349/6252/1106.short

 

 

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Respostas

  • Pesquisa promissora. Sou alérgico e sai deste ambiente de roça com 18 anos. Mudei-me para Petropolis, muito frio e úmido, parece que desencadeou ainda mais minha alergia. Agora, moro em Taubaté-SP e faço um tratamento imunológico que foi compensador.

     Creio que esta pesquisa está no rumo certo. Viva a vida no campo. Parabéns!

  • Super interessante a matéria, Bruna! A ciência provando por a+b as nossas impressões. Por mais crianças experimentando a vida no campo!

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