O ano de 2014 foi eleito pela Assembleia Geral das Nações Unidas como o Ano Internacional da Agricultura Familiar. O objetivo da iniciativa é fomentar um grande debate para avaliar a posição desse grupo frente às políticas públicas, como sua interface com leis e programas agrícolas, ambientais e sociais. A discussão desse tema em 2014 é uma grande oportunidade para o aumento do conhecimento público a respeito da importância e dos desafios desse segmento. Espera-se que os debates realizados nos países possam se materializar em ações efetivas de apoio ao setor.

Pesquisa realizada pela FAO em 93 países identificou que a agricultura familiar está presente em mais de 80% das propriedades agropecuárias. Também verificou que esse grupo é responsável pela maioria dos alimentos produzidos no mundo (Anuário Brasileiro da Agricultura Familiar, 2014). Falar de agricultura familiar é, portanto, falar de segurança alimentar, de ocupação territorial (ficar ou sair do campo), de meio ambiente, de tecnologias para agricultura familiar, de financiamento agrícola e pecuário, da preservação de uma cultura nacional, de geração de riqueza, trabalho e renda, de combate à fome no campo e na cidade.

 

No Brasil a agricultura familiar está presente em 85% dos estabelecimentos do país e ocupa 24% da área. Segundo o Anuário, a participação do setor na produção de produtos no país é significativa: 87% da mandioca, 70% do feijão, 46% do milho, 38% do café, 34% do arroz e 58% do leite.

 

Guanziroli e Cardim (2000) mostram que a agricultura familiar tem importância diferente nas regiões do país na composição do valor bruto da produção. No Sul representava, em 1995/1996, “35% da pecuária de corte, 80% da pecuária de leite, 69% dos suínos, 61% das aves, 83% da banana, 43% do café, 81% da uva, 59% do algodão, 92% da cebola, 80% do feijão, 98% do fumo, 89% da mandioca, 65% do milho, 51% da soja e 49% do trigo produzido na região” (p. 32).

 

Aqui no Repileite a intenção é discutirmos a importância dos agricultores familiares no setor leiteiro, os desafios e as ações para criar/aumentar o apoio a esse segmento.

 

 

Bibliografia:

Anuário Brasileiro da Agricultura Familiar 2014. Erechim, RS: Ed. Bota Amarela, 2014, 576p.

GUANZIROLI, C. E.; CARDIM, S. E. de C. S. Novo retrato da agricultura familiar: o Brasil redescoberto. Projeto de cooperação técnica Incra/FAO. 2000, 74p. Disponível em: <http://www.faser.org.br/anexos/Retratodaagriculturafamiliar.pdf&gt;. Acesso em: 20 jul. 2014.

Para adicionar comentários, você deve ser membro de Rede de Pesquisa e Inovação em Leite.

Participe da Rede de Pesquisa e Inovação em Leite

Enviar-me um email quando as pessoas responderem –

Respostas

  • Paulo Gomes, Pricila, José Antônio e Gilmar,

    Acho importante discutirmos aqui algumas especificidades da agricultura familiar com relação ao uso de tecnologias. A pergunta é: porque agricultores familiares usam certas tecnologias e não usam outras? É uma pergunta que está diariamente na cabeça do técnico de campo; agrônomo, zootecnista, veterinário, técnico em agropecuária. Também é um dilema para quem está envolvido em políticas de desenvolvimento rural em nível municipal, estadual e nacional.

    Um dos aspectos relacionados ao tema diz respeito à escala de produção necessária ao uso da tecnologia. O trator agrícola convencional que se usa no país é um exemplo. José Graziano da Silva (2003) registra que, no ano de 1980, nas propriedades com menos de 50 ha, 31% utilizavam fertilizantes e 56% defensivos, mas apenas 4% usavam tratores. A diferença se explica porque fertilizantes e defensivos não exigem escala mínima para o uso, o que não ocorre no caso de tratores.

    Atualizando os dados para 2006, a agricultura familiar e não-familiar apresentam os seguintes números para os mesmos indicadores, segundo IBGE/MDA:

    312836626?profile=RESIZE_1024x1024

    A tabela mostra acima mostra vários aspectos para nossa discussão. Para o tema que discutimos vejam que nos estabelecimentos com agricultura familiar a diferença de uso de adubo (33,8%) e de trator (0,6%), reforçando o argumento posto aqui. Nos estabelecimentos com agricultura não-familiar o uso é 11,0% maior em relação ao adubo, 5,1% em agrotóxico e 3,3% em trator quando comparado à agricultura familiar.

    José Graziano da Silva defende que o uso de adubo na agricultura familiar é uma forma de ampliar em extensão o tamanho da propriedade. Para o autor, a intensificação do trabalho familiar por unidade de exploração é um dos componentes importantes que explica a maior produtividade da terra na agricultura familiar em comparação à agricultura não-familiar (que discutimos anteriormente nesse debate).

    Bibliografia:

    SILVA, J. G. da. Tecnologia e agricultura familiar. 2ª ed. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2003, 238 p.

  • Prezado José Antônio dos Reis.

    Me é prazeroso observar sua inquietação, vontade de ajudar e envolvimento, são qualidades capazes de provocar mudanças, espero também que um dia exista política pública séria e mais eficazes para o homem do campo, acredito que um dia as pessoas vão olhar e dizer ,esse ai é um homem que vive bem, porque é do campo, e teve que estudar muito, porque tocar uma propriedade rural só com muito conhecimento: Nutrição; reprodução; saúde animal, gerenciamento; economia, etc, é muita coisa.Não desista José Antônio, use a sua experiência que é muito valiosa e continue a buscar caminhos e apontar direções.

     

  • José Antônio dos Reis,

     

    Muito boa a sua questão: a discussão sobre extensão rural relacionado à agricultura familiar (o tema em pauta).

     

    Quanto à sua pergunta, não tenho o cargo de pesquisador, apesar de ter feito mestrado (em extensão rural na UFV) e fazer alguns trabalhos em pesquisa. Hoje a posição da extensão rural não é mais a do passado em que o extensionista atuava como uma ponte entre a pesquisa e o produtor rural. O que se defende hoje é o extensionista fazendo pesquisa junto com o produtor e o pesquisador. O conhecimento não é exclusivo do profissional da pesquisa. O conhecimento está no produtor rural, no extensionista e no pesquisador. Uma referência importante que traz essa orientação é a do Paulo Freire, com seus livros “Extensão ou comunicação”, “Pedagogia da autonomia”, “Pedagogia do oprimido”, dentre outros.

     

    Participo de discussões, leio trabalhos, tenho contato com extensionistas de várias instituições do país e posso dizer que vejo um consenso a respeito da importância da extensão rural no Brasil: o agricultor - pequeno, médio ou grande - precisa, para avançar em vários indicadores, de orientação técnica regular e qualificada. Prova disso é o esforço nacional para o fortalecimento de uma extensão rural no país, que está se desdobrando na implantação da Anater.

     

    Qual é o segmento eleito para iniciar os trabalhos da Anater em nível nacional? O leite, uma cadeia que está presente em todo o território nacional, que gera renda, emprego e alimento para as famílias rurais. Por isso essa discussão é importante aqui. A extensão rural é fundamental para fortalecer as mais de 1,3 milhões de famílias que trabalham com leite.

     

    No Repileite há um grupo específico e aberto que reúne pessoas ligadas à extensão rural. Ali já se discutiu, dentre outras coisas, a diferença entre assistência técnica de extensão rural.

     

     

  • Prezado William:

    Você é Pesquisador ou AT?

    Eu creio e até, por provocação, a função do pesquisador é criar soluções demandadas pela Extensão; da Extensão é transferir para o campo as tecnologias e as soluções desenvolvidas pela Pesquisa. Correto?

    É isto mesmo, ou estou errado? 

    A Pesquisa não deveria viver sem o Extensão e a Extensão sem a Pesquisa. Estes dois segmentos são complementos em qualquer parte do mundo. Por que, no Brasil, não? Vaidades? Ou não se reconhece a Extensão Rural praticada no País como eficiente e capaz de dar conta do recado? 

    Pode-se mudar as concepções, depende de nós. Quem sabe, no futuro, teremos essa compreensão? Não sei! Não estou afirmando. É só uma provocação. 

  • Pricila,

     

    Dados do IBGE de 2006 reforçam sua percepção em Goiás e mostram que no Brasil a maioria dos estabelecimentos agropecuários não recebe orientação técnica. Cerca de 78% das propriedades não recebem qualquer orientação e 12,8% recebem apenas ocasionalmente. No país, apenas 12,8% dos produtores rurais recebem assistência técnica regular.

    312836547?profile=RESIZE_1024x1024

    Em termos de regiões do país, a mesma tabela do IBGE reforça que a assistência técnica ainda é insuficiente para cobrir a demanda, mas que também desigual. A situação melhor é da região Sul (23% recebem orientação regular) e a pior é da região Nordeste (3% com orientação regular).

      312837376?profile=RESIZE_1024x1024

    Apesar de passados oito anos do levantamento de dados, não houve no país até o momento (antes da implantação das ações efetivas da Anater) uma alteração no cenário que aponte uma mudança significativa nestes números. Podemos inferir, portanto, que há uma grande parcela de agricultores sem orientação técnica continuada, o que é vital para a melhoria de indicadores de produtividade agropecuária e das condições de vida no campo.

  • Patrícia! 

    Talvez você não saiba da verdade sobre a problemática da assistência técnica. 

    A coisa mais fácil é criticar. Difícil, é colaborar com boas sugestões. 

    Eu sou Técnico e estou, todos os dias no campo e deparo com produtores que não querem assistência. 

    O problema maior é que o Agricultor Familiar é um "Bode Expiatório". Todos miram nele para justificar a sua incompetência. Quem o é, não quer s^-lo; Quem não o é; quer aproveitar as benesses que existem para ele. E as exigência são legítimas. São Leis e precisam ser observadas. 

    Quanto ao processamento, tem-se que levar em conta a legislação. O povo já cansou de consumir excremento do meio rural. É hora de acabar com isto e tratar o produtor rural como cidadão coeso e responsável pelo o que serve à sociedade e não fazer da sociedade a latrina do produtor rural, mesmo que seja pequeno, médio ou grande. Para mim, Extensionista que sou, há 25 anos, isto é responsabilidade social. 

  • Olá William e demais colegas,

    assistência técnica e políticas públicas que favoreçam o setor são também necessidades muito comentadas pelos agricultores familiares com os quais temos contato aqui em Goiás. Muitos produtores não tem acesso à assistência técnica e podem até ter contato com o técnico mas a frequência é pequena e bem sabemos que deve ser contínua. Além disso, em alguns casos, o mais viável é processar o produto do que vendê-lo in natura e daí estes produtores esbarram em exigências que eles não conseguem cumprir pois são pequenos e não tem produção suficiente que compense o investimento necessário. Outro ponto que observo é que o agricultor familiar deve ser orientado (com assistência técnica) a estudar o mercado para saber se existe demanda do produto e evitar prejuízos. Falo isso para produção de verduras e legumes pois no caso de produção de leite este risco de falta de mercado é menor. 

  • Paulo Gomes e José Antônio dos Reis,

     

    Quebrando um paradigma. Um tema muito importante para ser apresentado aqui é a renda agrícola auferida por unidade de área. Guanziroli e Cardim (2000) mostram que a agricultura familiar é mais eficiente que a agricultura patronal. E isso ocorre em todas as regiões do Brasil, conforme gráfico abaixo.

     

    312836531?profile=original

     

    Isso quebra um paradigma no qual se acredita que a grande agricultura é mais produtiva que a agricultura de pequena escala. Essa falsa percepção se dá pela imagem de grandes máquinas e insumos modernos empregados na agricultura de grandes áreas que produzem, em muitos casos, para exportação. Os autores relatam que a média nacional é de R$ 104/ha/ano na agricultura familiar e R$ 44/ha/ano na agricultura patronal. A diferença não é pequena, é mais do que o dobro em favor da agricultura familiar.

    O que pode explicar esses números é que os agricultores com pequena extensão de terra precisam otimizar o uso do espaço disponível em suas propriedades. Os produtores com grandes áreas podem se dar ao luxo de terem ganho em escala, ainda que a produtividade por área seja pequena.

  • Bom dia a todos,

    Sr. José Antonio dos Reis, para ilustrar seu excelente comentário, até pouco tempo tínhamos no Sul de Minas alguns laticínios fortes com excelentes produtos e bom relacionamento com seus fornecedores. Mas uma grande empresa do Sul do Brasil incorporou e desfez uma cadeia de produção que vinha dando certo, deu um passo maior do que a perna, desestruturou o setor e hoje está em concordata e muito produtores estão sem receber o pagamento do leite. Realmente os grandes solapam os pequenos e depois nós que ficamos a mercê destas empresas. Quando eu fornecia o leite para o antigo laticínio, tinha leite de qualidade, já para a grande indústria sempre me descontavam pela qualidade do leite. 

    Concordo também com o William que as tecnologias podem auxiliar o produtor familiar a aumentar a produção e sem dúvida nenhuma gerar renda suficiente para um bom padrão de vida nas propriedades rurais, mas isto continua esbarrando na política para o setor, pagam o que querem não o que vale o produto.

  • Paulo Gomes, concordo com você quanto à carência de políticas públicas para o setor. Historicamente a grande produção agrícola voltada à exportação tem tido privilegiada no Brasil em função da necessidade de obter divisas nacionais. Enquanto esse era o único olhar, a agricultura familiar ficava à deriva. No momento atual, o país começa a enxergar a importância dos agricultores familiares.

    A produção leiteira do país tem, nesse aspecto, um destaque porque possui um grande contingente de pessoas no segmento familiar. Os levantamentos estatísticos (mencionados acima) mostram que em termos de número de produtores, a pecuária leiteira nacional é predominantemente familiar. Já em termos de volume de leite produzido a agricultura familiar não tem a mesma expressão.

    Dados da FAO (Tabela 1267 do IBGE) mostram que em 2006 a agricultura familiar detinha 62% dos estabelecimentos do país, mas produzia 42% do volume de leite nacional. De outro lado, a agricultura patronal detinha 38% dos estabelecimentos e produzia 58% do volume de leite nacional. Esses números nos fazem refletir sobre a necessidade de aumentar a produção de leite nas propriedades familiares, o que significa o aumento da renda. Acredito que há hoje no país tecnologias capazes de auxiliar o produtor familiar a aumentar a produção de leite na sua propriedade.

This reply was deleted.