LEITE NA TERRA DA UVA

Meu artigo na Revista Balde Branco de Julho.

LEITE NA TERRA DA UVA

Este mês estive nas serras gaúchas, terra das vinícolas mais importantes e famosas do Brasil. Mas, o que me levou lá foi o leite. Aquela região disputa com o oeste Catarinente e o sudoeste do Paraná a liderança em densidade de produção por km, que é o que interessa para a indústria. Estive em três municípios: Veranópolis, Paraí e Carlos Barbosa participando de simpósios regionais para produtores de leite. Uma bela surpresa foi ver casais chegando de mãos dadas. Contei onze em Veranópolis, perdi a conta a partir de quinze em Paraí e em Carlos Barbosa teve casal com filhos no colo e no carrinho de bebê. Na terra da uva, o que reúne a família é o leite!

Desde 2013, desenvolvemos ali o projeto Gepleite, com a Cooperativa Santa Clara, a mais antiga do Brasil, criada há 104 anos! O foco é gestão de propriedades. O Projeto é exemplo de inovação aberta, pois o Carlos Araújo e o seu time de técnicos estão desenvolvendo conosco esta ferramenta, que começou na CCPR, com o Jacques Gontijo, o grande inspirador e mentor. Hoje, o Alexandre Guerra e João Seibel, diretores da Santa Clara, apoiam este trabalho, que possibilita ao produtor conhecer o desempenho econômico e financeiro da sua propriedade em tempo real. Nada similar há no mundo!

Assisti o produtor participante do Gepleite apresentar o desempenho da sua propriedade. Produz em oito hectares! Era desleixado com a atividade e, segundo ele, mudou sua visão, depois que começou a participar do Gepleite. Agora, fica ansioso para o fechamento da planilha mensal de desempenho financeiro, para ver se destruiu ou gerou valor naquele mês. Depois da minha palestra, um produtor me mostrou vídeos e fotos da propriedade dele com o Capiaçu, um capim que criamos na Embrapa Gado de Leite e que, se você não conhece, considere-se desatualizado. Ele esteve conosco em 2016 e levou uma muda. Aí, lembrei que, no início do mês estive na CNA e o presidente da Federação de Produtores da Paraíba fez questão de me mostrar fotos do Capiaçu na fazenda dele. O Capiaçu está tomando o Brasil.

Almocei entre os produtores para interagir com eles. Conheci uma senhora e a filha que entraram no leite há três anos, apenas. Deixaram a cultura do fumo. Perguntei qual o motivo e elas me disseram que era “por ser menos penoso e mais lucrativo”. Descobri que existe algo mais penoso que produzir leite! Na minha frente, uma nova Gizele Bündchen, loira, alta, magra e olhos absurdamente claros, me disse que ela, o marido e a sogra também haviam deixado o cultivo do fumo. Perguntei pelo marido e ela me disse que alguém precisava cuidar das vacas e alguém precisava aprender coisas novas, terminando com um belo sorriso.

Fui com Marcelo Machado e Raquel Soletti, técnicos da DSM, conhecer um produtor que está no programa Gepleite da Santa Clara, que desativou a avicultura e a horticultura para se dedicar ao leite. Começou com sistema semi-confinado e agora está no confinamento pleno. Perguntei por que trocou as duas atividades pelo leite e ele disse que a horticultura é desumana e a avicultura não dá dinheiro. O leite ganha das duas no quesito "meu tempo" e "dinheiro no bolso". Ele já esteve conosco durante uma semana em Coronel Pacheco. A mulher, ele e o tio cuidam da fazenda de 30 hectares.

No dia seguinte, estive em Paraí. Na abertura do Simpósio do Leite o prefeito, o padre, o diretor da Coopearativa, o gerente regional da Emater e o presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais da região falaram sobre a importância de estar aberto para absorver tecnologia. Isso é muitíssimo diferente do que ocorre em outros locais no Brasil e explica por que o RS conseguiu assumir a liderança nacional de produtividade por vaca. As instituições atuam articuladas a favor da modernização constante do leite e fazem discurso sincronizado. Assim, o produtor se sente protegido e valorizado. No almoço, sentei com os produtores e todos ali cuidavam da fazenda com um ou dois membros da família, sem empregados, e tinham produção por volta de 30 litros/vaca/dia, o que os colocam com produtividade compatível com o que há de melhor no mundo do leite. Todos, produtores familiares.

Também visitei um produtor de leite participante do Gepleite que foi o primeiro do Brasil a ter ordenha robotizada. Fiquei muito bem impressionado com o que vi e pude entender os números que temos dele. Conhecia outros dois, um em MG e outro no RS. Mas, este tem a fazenda na ponta dos dedos, como piloto de fórmula um. No terceiro dia o simpósio foi na sede da Cooperativa, em Carlos Barbosa, o terceiro município com maior densidade de leite do Brasil. A produção é essencialmente familiar e ninguém pensa em abandonar a atividade para trabalhar na Tramontina, essa famosa empresa de utensílios de cozinha, que tem sede lá.

Há um Brasil novo surgindo. Um Brasil silencioso e revolucionário. Em que a produção familiar se alia ao robô. Um novo produtor está no campo, buscando tecnologia, querendo gerenciar sua propriedade de modo competente. Este é o verdadeiro Brasil.

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