Holanda possui produção de leite moderna e totalmente automatizada

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Sensores a laser identificam a posição das tetas para a retirada de leite. No Brasil, por enquanto, o investimento nessa tecnologia não é lucrativo.

Do Globo Rural


Na Holanda é possível ter uma ideia para onde se inclina o futuro da pecuária leiteira. Você pode imaginar um curral de leite totalmente automatizado, com robô até para limpar o estrume das vacas? Isso não é ficção, não. Também na Europa, a seleção genética com base no DNA já evoluiu do gado de corte para o gado de leite.

Os estábulos e currais cada vez mais vão ganhando acara de indústrias. Uma universidade pública holandesa recebe apoio da iniciativa privada para pesquisar o que há de mais avançado em manejo de gado leiteiro. É como um super curral, um super estábulo, que abriga 500 vacas. Tudo tem funcionamento automático, até a tirada do leite.

São cinco robôs operando simultaneamente. A máquina faz a lavagem e a assepsia do úbere e um feixe de raio laser varre a área para informar ao computador a posição certa de cada teta. O engenho sugador entra em ação e, rapidamente, é feita a ordenha. O sistema funciona dia e noite sem parar. A vaca frequenta o robô por vontade própria, na hora que bem entender.
Importante saber que embaixo do piso gretado é tudo oco. No subsolo há uma enorme caixa coletora de fezes e urina. Com seu bip discreto, um robô vai passando, varrendo para as gretas os dejetos sólidos. Deixa o caminho limpinho. Sabe por onde andar e se desviar dos obstáculos graças aos sensores que funcionam mesmo com a carcaça coberta de estrume. Aliás, os sensores formam a espinha dorsal da tecnologia aplicada aqui. As vacas têm sensores para várias finalidades informando por exemplo quanto estão dando de leite, quanto devem comer.

O gerente do super curral, o engenheiro Jan Blomert, diz que são cerca de 2.000 propriedades na Holanda que já estão trabalhando nesse sistema. Surpreendente por causa do preço. Na propriedade de dona Trinska Reistman, foram financiados dois robôs para atender a um rebanho de 180 cabeças. O investimento foi o equivalente a três milhões de reais. Contando as máquinas automáticas e o galpão, com caixa subterrânea e tudo.

“No curral velho me sentia uma escrava. Agora, finalmente, me sinto uma produtora de leite. É mais fácil, mais tranquilo. Eu sou viúva e dou conta de fazer praticamente tudo sozinha. Diminuiu bem a mão de obra e aumentou significativamente a produção: minhas vacas davam, em média, 25 litros por dia e, agora, estão na faixa dos 29”, comenta Trinska Reistman.

No curral modelo, o gerente Blomert explica que o aumento do rendimento se dá pela combinação de vários fatores: tem a genética, a eficiência do manejo e, muito importante, a conversão alimentar. A proposta não é tirar o máximo da vaca, como se faz, por exemplo, no sistema americano, mas buscar o equilíbrio entre rendimento e longevidade. Compare: no sistema de super esforço, a vida útil da vaca é de duas lactações. Nesse método chega a três lactações e meia.

“Estamos de olho é na saúde do animal. Se você tira tudo da vaca, você a expõe a um estresse elevado, abrindo portas pra doenças. Se nos contentamos com produção na faixa dos 30 litros, que é o caso daqui, fica mais confortável pra vaca e longevidade depende basicamente do bem estar”, explica Jan Blomert.

No Brasil
A Fazenda Frankanna é uma das campeãs nacionais em eficiência de produção. A média de produção está entre as mais altas do mundo: cerca de 42 litros por dia. Dez a mais que o curral modelo da Holanda. Aquela relação entre rendimento e longevidade é a mesma: vida útil de três lactações e meia. A tirada do leite acontece não duas, nem três, mas quatro vezes ao dia.

A sala de ordenha é equipada com o que tem de mais moderno no Brasil hoje. A fazenda, porém, não trabalha com robôs. Por enquanto, no Brasil, não se paga o investimento nessa tecnologia, como explica um dos donos, Richard Djikstra: “No futuro é muito provável que venhamos a usar esse tipo de equipamento. Há uma tendência no custo de mão de obra, que está se elevando ano após ano. Com um equipamento desses você acaba tendo uma eficiência técnica e um resultado que viabiliza o investimento”. Mais do que investir em equipamento, no entanto, o forte da fazenda está na genética do gado. Uma tradição que vem desde que a família comprou as primeiras glebas no Paraná.

Genética
O gado fino que veio na bagagem dos Djikstras trouxe grandes contribuições pra a formação da pecuária leiteira do Brasil, conforme analisa o agrônomo William Tabchoury, gerente de uma das maiores companhias de genética bovina do mundo.

“Os holandeses são pioneiros na identificação e registro de animais. A partir daí teve a possibilidade de se realizar melhoramento genético do rebanho. O Brasil hoje é o quinto maior produtor de leite do mundo e cerca de 80% a 90% do leite produzido tem alguma influência da raça holandesa”, explica o agrônomo.

William trabalha na CRV que há 15 anos comprou a antiga Lagoa da Serra, uma das primeiras no Brasil a trabalhar com inseminação artificial. A sede da companhia na Holanda é uma das líderes no comércio de sêmen. Propriedade de uma cooperativa de 35 mil fazendeiros holandeses e belgas, a CRV distribui por ano cerca de oito milhões de doses de sêmen para 70 países.

Entre os touros que mais doaram sêmen em sua vida, está o campeão Sunny Boy, que doou dois milhões de doses, o que deve dar 1,4 milhões de filhos espalhados pelo mundo. Tudo começou no fim do século 19, quando o proprietário do touro campeão saia tocando corneta pra vender coberturas. Depois, mas ainda antes da Segunda Guerra Mundial, veio o programa de inseminação: o inseminador volante saia de moto levando nas costas o material de aplicação.
Hoje em dia a coleta se profissionalizou e, além do sêmen convencional, é possível comprar o sêmen sexado, escolhendo se vai querer só macho ou só fêmea. Oferecem o embrião já pronto com todo o pacote de fertilização in vitro e o devido implante já incluídos. Na Europa, a alta genética trabalha com o DNA. Os laboratórios já estão preparados para, comercialmente, analisar o potencial celular de uma doação.

Alfred de Vris, engenheiro genético encarregado mundial do programa de melhoramento da CRV, e Gus Laeven, que foi diretor da companhia por mais de dez anos no Brasil, explicam que já ficou completamente no passado distante o tempo de se ver crescer o bezerro, testar o touro por gerações até se conseguir o perfil da progênie. O mesmo valendo para as vacas.

“Agora a nossa seleção passa a ser feita no microscópio. Com a tecnologia do DNA podemos antecipar que características o animal vai transmitir ao longo da vida. Analisando um punhado de células já podemos dizer se ali teremos um animal bom de carne ou uma boa matriz”, conta Alfred de Vris.

Evolução
Esse futuro já chegou à Fazenda Frankanna, de Carambeí, no Paraná. Das 500 matrizes da propriedade, 15 vacas já são filhas dos chamados touros genômicos. A renovação do plantel segue nessa linha mirando o objetivo de se alcançar, dentro de três a quatro anos, a média diária recorde de 45 litros de leite por cabeça. Evolução que, claro, não depende só da alta genética, mas também da alimentação e do manejo. Os mínimos detalhes são observados. Os funcionários da leiteria, por exemplo, trabalham com dois porta-lenços na cintura. A cada vaca que entra na ordenha, eles usam dois paninhos na limpeza dos úberes. Como são quatro tiradas de leite, esses paninhos são usados cerca de 4.000 vezes por dia. Para dar conta da lavagem e desinfecção, foi montada uma lavanderia dentro do estábulo.

O cuidado com a limpeza é um entre inúmeros itens que entram na formação do preço do leite. A Cooperativa Batavo acaba de inaugurar uma das mais modernas indústrias de lacticínios do mundo. É totalmente automatizada. O produtor recebe de acordo com oito critérios: começa com o teor de gordura do leite mais o teor de proteína e dos sólidos totais; contagem bacteriana e de células somáticas; o volume de produção; a capacidade de estocagem e até a facilidade de acesso do caminhão à propriedade.

Na festa dos 100 anos de imigração, os produtores foram incentivados a continuarem na busca da atualização tecnológica, fator de sobrevivência e de sucesso da região. Um êxito que, no entender do presidente da Cooperativa Batavo, Renato Greidanus, não é só dos holandeses, mas deve ser creditado também a outras colônias.

Como a simbolizar a diversidade das contribuições, a sinfônica que veio da Holanda celebrar a data fechou o concerto tocando Aquarela do Brasil.

G1 - Globo
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